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segunda-feira, 11 de abril de 2011

A menina que usava a cegueira da conveniência para enxergar através da lente alheia.

(Eu não recomendo esse post pra quem não assistiu ”Te amarei para sempre” e pretende ver).


Sábado à noite, foi à locadora. Entrou e procurou pelas filmes de comédia romântica. Gostava de viver as histórias de cada filme, como se ela fosse a mocinha. Durante algumas horas ela foi Audrey Hepburn em “Bonequinha de Luxo”, em outras foi Julia Roberts em “O casamento do meu melhor amigo”. Viajou o mundo, correu muitos riscos, foi famosa, pobre, espiã, feliz, empresária, mãe, triste, incompreendida, prostituta, mal-amada, bailarina, amada, odiada, cantora e devorada. Ela gostava de acreditar que amores como os do cinema aconteciam de verdade. Se não aconteciam de verdade, eram reais para ela. Vivia cada romance desses, aproveitava cada história como se fosse a dela e a cada fim de filme, era como um final de uma vida para um recomeço de outra. Ela poderia ser o que quisesse ser.
Chamou o cara da locadora pra ajudar, ela sempre pedia ajuda. Ele já conhecia o gosto dela para filmes, barrigudinho e com aquele olhar estranho, sempre indicava algo que ela gostava. Dessa vez ele indicou: “O melhor amigo da noiva”, “Muito bem acompanhada”, “Do que as mulheres gostam” e “Casamento grego”.
- Se eu fosse você levava todos, aproveitava a nossa promoção. Sabe né? Levando 3, ganha 1.
Ela pensou, lembrou que não faria muita coisa nesse final de semana, e fez que sim com a cabeça enquanto dizia:
- Então é isso! Vão os quatro.
Pagou, se despediu e voltou a pé pra casa. Chegou, e já começou a ouvir: – Esse final de semana você não sai do quarto né? Vou ligar pra Marcinha pra ver se ela te tira de casa, menina! Onde já se viu? Na flor da idade e se prendendo em casa desse jeito… Vai perder a juventude, filha! A menina já tinha aprendido a ignorar isso. A matraquisse da mãe era como um cheiro ruim, em poucos minutos o organismo acaba se adaptando. Ela realmente não se importava! A juventude dela tinha sido mais bem vivida que a de qualquer um, perseguindo bandidos na Itália, dando uma de turista em NY, ou fazendo compras em Miami. Ela era definitivamente feliz assim.
Fechou os olhos e apontou pra um, saiu “Casamento grego”. Achou a atriz da capa feia, então fraudou o próprio sorteio e fez de novo. Dessa vez saiu “O melhor amigo da noiva”, agora sim! A atriz é linda, se achou parecida até e ficou tentando lembrar o nome dela… – Michelle Monaghan! Falou para a capa de DVD, logo depois de ler o nome. Colocou o filme, olhou novamente para a capa do DVD e pensou “realmente me pareço com ela!”. O menu do filme apareceu junto com seu pai que ao entrar no quarto disse que não acreditava que ela iria ficar em casa vendo filmes outro final de semana… Falou, falou, falou.
A sua costumeira indiferença estava sendo colocada em prova hoje. Se cansou, e para poupar o falatório se vestiu, e saiu (pro cinema). Comprou pipoca e refrigerante, e escolheu “Te amarei para sempre” para assistir. Sentou na sua poltrona, e esperou ansiosa pra saber quem seria hoje, onde iria, e o que faria. Ficou feliz quando viu a Rachel McAdams na tela, “pelo menos é bonita!”, pensou.
Hoje ela era mulher de um cara que viajava no tempo involuntáriamente por conta de uma rara modificação genética. Quis ser o mocinho hoje, detestou ter que ficar esperando por ele e invejou não ser ele viajando por aí, vendo e revendo situações. Se contentou em não ser ele apenas pelo fato de achar lindo o ator, que hoje seria seu marido. Ela se viu ali, falando com ele pequenininha, sentiu as mesmas emoções. Esteve no campo conversando com ele, trouxe roupas para aquele que um dia seria seu marido. Ano após ano esperando sempre no mesmo lugar que ele retornasse. Até que os dois se encontraram no mesmo momento e se apaixonam. A menina podia sentir as borboletinhas no seu próprio estômago.
Sofria como a mocinha, por ter que esperar quando ele sumia. Já que o curso da vida dela era normal, enquanto ele desaparecia, sem data para retornar. Sentiu ciúme quando ainda criança ouviu falar que ele tinha uma esposa. Sentiu um aperto no coração quando a mocinha, a Clare, perdeu o bebê. Teve ódio do Henry quando ele se operou. Amou ele demais. Se envergonhou e se sentiu invadida ao pegar ele lendo seu diário. Sentiu uma dor enorme no peito quando o beijou no último natal. E se sentiu mais viva do que nunca enquanto corria por entre as árvores para seu último encontro com ele. O que seguiu foi um vazio, por ter ficado viúva. Quando as luzes se acenderam ainda se sentia bastante Clare. Estava chorando.
Limpou o rosto, arrumou o cabelo e saiu da sala refletindo sobre tudo que tinha vivido nas últimas duas horas. Tinha conhecido um homem que viajava no tempo e se apaixonado por ele, quando criança. Encontrou ele no presente, se casou, o traiu com ele mesmo, teve uma filha e ficou viúva. Amou para sempre. Nem filmes tristes como esse traziam ela de volta à realidade. Ela preferia sofrer a história de outros. Não via graça na vida real, a não ser que um dia virasse um filme…

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