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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Reconstrução

Chorou daquela vez como se fosse a última.
Pensou naquela briga como se fosse a última.
E cada chororô como se fosse o único.
E voltou pra sua casa com seu passo tímido.
Subiu no elevador como se fosse máquina.
Ergueu no coração quatro paredes sólidas.
Tijolo por tijolo a cada briga trágica.
Seus olhos mal fechavam de cimento e lágrima.
Sentou pra descansar como se fosse domingo.
Comeu nada com nada como se fosse fácil.
Bebeu e soluçou como se fosse inédito.
Dançou e gargalhou como se fosse o princípio.
E tropeçou em tudo que já fez bêbada.
E flutuou no ar como se fosse num abraço.
E se acabou no chão como um adeus pesado.
Agonizou no meio de um adeus público.
Morreu na contramão pra liberar o tráfego.
Amou daquela vez sabendo que era a última.
Beijou daquela vez como se fosse a única.
E aquele abraço seu, sabia que era o derradeiro.
E atravessou a rua com um aperto extremo.
Subiu no elevador como se fosse sólida.
Reforçou no coração quatro paredes mágicas.
Tijolo por tijolo a cada lágrima lógica.
Seus olhos já fechados por bebida e mágoa.
Sentou pra descansar como se fosse fácil.
Comeu nada com nada como se fosse um hábito.
Bebeu e soluçou como se fosse a única.
Dançou e gargalhou sabendo o que estava próximo.
E tropeçou no tijolo como se não quisesse.
E flutuou no ar fugindo de uma briga trágica.
E se acabou no chão como uma máquina pesada.
Agonizou no meio de um adeus pesado.
Morreu na contramão aplaudida pelo público.
Amou daquela vez querendo ser uma máquina.
Beijou daquela vez porque era o lógico.
Ergueu no coração quatro paredes bêbadas.
Sentou pra descansar como se fosse rápido.
E flutuou no ar só esperando a queda.
E se acabou no chão esperando um príncipe.
Morreu atropelada pelo cavalo branco.
Por tudo que aconteceu, por tudo que há de vir.
A concessão do cessar de sofrer, e um aval pra sorrir.
Por a deixar respirar, por a deixar existir, Deus lhe pague.
Por tudo aquilo que de graça ela teve que engolir.
Pela confusão e desgraça que agora ela pode cuspir.
Pelos adeus, lágrimas, contramãos e quedas, Deus lhe pague.
Pela pessoa que ela achou e o valor que agora sabe medir.
Por tudo aquilo que houve, pra isso agora existir.
E pelo amor verdadeiro que agora pode sentir, Deus lhe pague.

Construção - Chico Buarque
Aqui vai a letra da música pra quem quiser comparar com o texto: Construção – Chico Buarque.

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